"Toda unanimidade é burra", disse Nelson Rodrigues - o escritor que mais fundo penetrou na intimidade do brasileiro. A frase se aplica ao caso da reforma da Previdência. Dez entre 10 brasileiros concordam que ela vai tirar o país do buraco. O curioso é que ninguém parou para pensar como esse maná cairá do céu. Mais ainda, o que a propaganda oficial chama de "Nova Previdência" só existe na imaginação do governo. Isso porque o texto original certamente sofrerá muitas mudanças antes de ser votado no Congresso. Vai ser um "toma lá, dá cá", em que os parlamentares irão lutar para não ficar mal com a sua base eleitoral.
Primeiro, vale lembrar que essa reforma da Previdência já veio "requentada" do governo Temer, que não teve condições políticas para encaminhar o projeto ao Congresso. Como tudo no governo atual, a tesoura é o principal instrumento de gestão. O próprio ministro da Economia, Paulo Guedes, afirmou que a reforma trará uma economia de R$ 1 trilhão em 10 anos aos cofres públicos. Em 2018, a Previdência Social registrou déficit de R$ 195,2 bilhões, em valores nominais. A razão é que, enquanto a despesa com benefícios cresceu 5,2%, a arrecadação aumentou apenas 4,4%. Neste último caso, a principal causa é o fraco crescimento da economia.
É fato que a eliminação do déficit da Previdência daria uma boa folga no orçamento do governo. Mas, por trás dos números, existe toda uma questão social que pouco está sendo levada em conta. O mote que a reforma está eliminando privilégios é conversa fiada: o que está prestes a ocorrer é uma transferência de renda dos mais pobres para os mais ricos, via pagamento de juros da dívida pública. No orçamento aprovado para 2019, no valor de R$ 3,262 trilhões, 44% se destina ao pagamento de juros (R$ 1,425 trilhão), o que representa mais de sete vezes o déficit previdenciário.
Sobre a questão social, registre-se que a principal fatia do déficit previdenciário de 2018 está nas aposentadorias rurais, cujo valor foi de R$ 113,8 bilhões contra o déficit de R$ 81,4 bilhões nas aposentadorias urbanas. Portanto, quase 60% do déficit se origina das aposentadorias dos trabalhadores sociais que, em grande parte, nunca recolheram para o INSS e foram aí colocados pela Constituição de 1988. Vale lembrar que, em dezembro de 2018, foram pagos 35 milhões de benefícios, sendo a maior parte (66,5%) no valor de até um salário mínimo. Portanto, os benefícios previdenciários representam também uma política de combate à pobreza.
Há inclusive uma tese que questiona a própria existência do déficit previdenciário. O argumento é que a Previdência Social faz parte, em conjunto com a Saúde e Assistência Social, do sistema da Seguridade Social - uma das principais conquistas dos trabalhadores da Constituição de 1988. Olhando por esse ângulo, o sistema como um todo seria superavitário. O problema é que o cálculo do déficit é feito apenas levando em conta a arrecadação da contribuição paga ao INSS por empregado e empregadores, sem levar em conta as demais contribuições que financiam a Seguridade Social.
Voltando ao começo: "sem a reforma da Previdência, o país quebra", como disse Bolsonaro? Claro que não! Não podemos nos comportar, em relação a isso, como fazendo parte de um rebanho de ovelhas que caminham alegremente em direção ao precipício.